sexta-feira, 6 de julho de 2012

O Princípio da Incerteza


"O campo já não existia com os seus caminhos e ramadas que os cobriam e portas de quinteiros onde ladravam os cães de guarda. Ouvia-se o cocoricar da galinha chamando os pintos. O fumo branco saía pela telha-vã das casas. Uma mulher de preto, com uma braçada de couves, parava para urinar de pé, sem deixar de falar a quem passava, com modo amável e sem constrangimento. Quando a tarde caía, o silêncio arredondava-se como se criasse um globo de vidro onde esbarravam os sons. As crianças que, com o crescimento, ganhavam novos sentidos e pressentiam desejos, eram dadas a segredos, contavam aparições. Ouviam-nas com respeito e ternura fria, sem as adular. Mas esses eram já avós que foram pastores. Não havia mais meninos extraordinários, todos se exprimiam como locutores da televisão e recebiam os nomes dos heróis das novelas. Sonhavam com computadores e queriam chegar depressa a um sucesso que lhes trouxesse o mundo na palma da mão.”
BESSA-LUÍS, Agustina, O princípio da Incerteza, Lisboa, Guimarães Editora, 2002, p.99.

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