"O
campo já não existia com os seus caminhos e ramadas que os cobriam e portas de
quinteiros onde ladravam os cães de guarda. Ouvia-se o cocoricar da galinha
chamando os pintos. O fumo branco saía pela telha-vã das casas. Uma mulher de
preto, com uma braçada de couves, parava para urinar de pé, sem deixar de falar
a quem passava, com modo amável e sem constrangimento. Quando a tarde caía, o
silêncio arredondava-se como se criasse um globo de vidro onde esbarravam os
sons. As crianças que, com o crescimento, ganhavam novos sentidos e pressentiam
desejos, eram dadas a segredos, contavam aparições. Ouviam-nas com respeito e
ternura fria, sem as adular. Mas esses eram já avós que foram pastores. Não
havia mais meninos extraordinários, todos se exprimiam como locutores da
televisão e recebiam os nomes dos heróis das novelas. Sonhavam com computadores
e queriam chegar depressa a um sucesso que lhes trouxesse o mundo na palma da
mão.”
BESSA-LUÍS,
Agustina, O princípio da Incerteza,
Lisboa, Guimarães Editora, 2002, p.99.
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